sábado, 7 de novembro de 2009

Quem não sabe, dança!

No ano em que meu pai morreu, eu peguei piolho. Foi uma degracenta de uma amiguinha que dormiu em casa que estava com um monte deles na cabeça e quando eu percebi, já tinha cortado o cabelo bem curto, porque minha mãe não tinha tempo de tirar os bichos um por um.
Como se tivesse perdendo tudo na vida de uma vez só, eu me inscrevi para o concurso de lambada da escola. Eu tinha seis anos e não havia nenhum menino interessado em dançar comigo, porque todos eles gostavam de empilhar pneus e jogar futebol na quadra.
Mas como eu estava predestinada a ganhar alguma coisa na vida, eu fui e me inscrevi no tal do concurso. Mas quando vi que parecia um menino com o cabelo quase raspado, pensei em desistir. Não queria me expor daquela forma.
Minha mãe me incentivou, ligou para a mãe da minha amiga Vivian, uma das poucas que mantenho contato até hoje, embora ela seja agora hoteleira bem sucedida e eu continuo traçando umas malfadadas linhas em um papel que chamam de jornal.
Estava assim formada a dupla. Vivian, uma loirinha branquela de cabelos lisos e sedosos. E eu, menina arrasada pelo pouco cabelo, com as pernas em forma de cambito e um batom cor de laranja que minha vó usava.
Ainda assim, formávamos uma boa dupla e como não havia nenhum menino inscrito no concurso, todas as meninas formaram duplas entre elas.
Eu e Vivian escolhemos nossos modelitos para a dança e lembro que a minha comparsa tinha uma saia bem mais rodada que a minha, mas isso não me tirava a fixação de ser a Rainha da lambada, com R em maiúsculo.
Não me recordo muito bem dos treinos, mas sei que eles existiram. Depois da escola, minha mãe bolou uma coreografia bem piegas para nós duas, que começava com uma aparição minha pela direita e de Vivian pela esquerda.
Vínhamos dançando como Carmen Miranda até o centro do palco e de lá rodávamos que nem o pião da casa própria do Silvio Santos.
Depois dançávamos juntas e, como ela maior do que eu, era eu quem rodava enquanto ela esticava os braços como se fosse meu parceiro de dança.
Vivian entrou nessa de gaiato. Ela não queria ser a Rainha da lambada, como eu queria. Mas era ela minha amiga mais fiel e foi a ela a quem contei, em meio a uma aula de vídeo, que meu pai havia morrido e ela me perguntou: - E agora?
E eu respondi: - Agora acho que ele não existe mais.

Fomos à apresentação e a roda de pais com filmadoras era assustadora. Dançamos de um jeito meio desengonçado, mas fomos bastante aplaudidas. Claro, quem não aplaudiria crianças de seis anos na apresentação de final de ano?
O locutor, que era o bedel da pequena escola, foi anunciando as duplas vencedoras. Em quinto lugar, em quarto, em terceiro. E daí ficamos só nós e mais duas garotas mais velhas. Para mim, era óbvio que havíamos ganhado.
O suspense me ocasionou a primeira tremedeira de nervoso que senti na vida e quando anunciaram a dupla vencedora, que não era a nossa, eu não quis aparecer no palco para receber o segundo lugar. Chorei. Eu não era a Rainha da Lambada.
Vivian não ficou tão abalada quanto eu, que fui chorando da Vila Olímpia até o Ipiranga, onde eu morava. Lá, meu tio cortou uma cartolina e fez uma faixa bem bonita e colorida, onde estava escrito: Rainha da Lambada 1990.
Nunca fiquei tão feliz de ser enganada pelos adultos. Dormi com a faixa feita para mim e fiquei feliz de ser a vencedora, pelo menos na minha casa.

Depois disso, a única coisa que ganhei na escola foi um concurso de redação, o que me motivou a ser jornalista. E foi por causa dele que estou aqui hoje de plantão como repórter.
É... deveria ter investido na vida de Rainha da Lambada...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Sobre a beleza dos dias comuns

Não que fosse comum, mas de vez em quando acontecia de eu ir para o jornal a pé. Principalmente nos dias de plantão, quando o sábado sempre amanhecia nebuloso e as gotas de garoa fina se acumulavam no meu cabelo pela inexistência de um guarda-chuva.



E toda vez eu passava por uma pracinha, daquelas com direito a banquinhos coloridos e banca de jornal, exalando meu tédio de enfrentar mais um dia de trabalho. Lá, eu percebia que havia um gari laranjinha que ficava cantando um pagode.



Da primeira vez, ele disse "Oi moça". E eu, surpresa, respondi: "Oi".

E sai andando indignada, como sempre acontece com as moças desprovidas de humildade.

Dai ele disse: "Tenha um bom dia".

Eu lembro de ter olhado para trás, me perguntando o porquê de tanto bom humor.

E ai nesse segundo passou um senhor, e o gari repetiu a mesma saudação: "Bom dia, senhor"



E eu segui pensando: "Que cara chato".

E a mesma cena de cumprimentos se repetiu por mais uma vez, quando eu novamente passei pela pracinha e ele, como faz com todos, me cumprimentou com um sorriso.



Mas antes que pensem que essa é uma história de amor entre eu e o gari, já adianto que não foi o caso. O fato é que esse episódio medíocre me chamou a atenção pela disposição que aquele homem tinha de ficar desejando um bom dia para os outros.

E aí você para para pensar que as pessoas só te desejam coisas boas voluntariamente quando é seu aniversário ou quando alguma coisa especial acontece.
E nem sempre tudo o que te desejam de fato é sincero ou realmente acontece.

Mas o gari da pracinha da Vila Oliveira continua lá, todos os dias, varrendo as bitucas de cigarro que os desafortunados jogam pelo chão.